O álcool é tóxico para o organismo humano, mas também pode ter um efeito muito negativo no treino e nas adaptações subsequentes. No entanto, é uma substância demasiado normalizada na sociedade atual. A tal ponto que o simples facto de dizer que o consumo ideal é zero gera discrepâncias, discussões e até tensões. Mas isto não é subjetivo, por isso vou contar-te, através da ciência, os efeitos que o álcool tem no desempenho desportivo.
Em primeiro lugar, devemos ter em conta que, para conseguir adaptações pós-exercício que valham a pena, devemos concentrar-nos na recuperação. O descanso é fundamental, entendido como as horas de sono noturno. Mas também a alimentação. Sem um aporte nutricional adequado, o organismo não terá os elementos necessários para levar a cabo o processo de reparação e construção.
Vias fisiológicas envolvidas na adaptação
Treina para ficar mais forte. Podemos falar de diversão, socialização, entretenimento, competição… mas o objetivo final da atividade física é mantermo-nos saudáveis. E baseia-se num princípio muito simples. Gero um stress, um pequeno dano, o organismo adapta-se a ele e consegue tolerar eficazmente o mesmo volume e intensidade de esforço em ocasiões sucessivas. No fim de contas, “o que não te mata torna-te mais forte” até faz algum sentido. Dentro de limites, claro.
Em todo o caso, para que esta adaptação tenha lugar, é necessário pôr em marcha vários processos fisiológicos de carácter anabólico. Começamos por falar do funcionamento do sistema nervoso central. Os estímulos de força levam o cérebro a ativar mais unidades motoras para contrair o tecido muscular. Isto traduz-se num aumento da capacidade de elevação. Escusado será dizer que, se eu administrar uma substância neurotóxica, este processo ficará comprometido (estou a referir-me ao álcool).
Mas há também alterações estruturais. Uma das mais importantes tem a ver com a hipertrofia. O exercício físico provoca micro rupturas nas fibras que têm de ser reparadas. Durante este processo, a secção transversal do músculo pode aumentar e o músculo pode tornar-se maior. No entanto, estamos a falar de um processo dependente de proteínas, nomeadamente da taxa de síntese proteica muscular. Sabias que o álcool inibe este mecanismo? E não estou a dizer isso. Podes consultá-lo aqui.
Obviamente, o efeito é dependente da dose. Mas o consumo de álcool após a prática desportiva pode reduzir para metade a síntese proteica (e, consequentemente, a adaptação). A concentração de aminoácidos no sangue é afetada negativamente, o que pode bloquear a hipertrofia e a recuperação subsequente. No final, tanto a leucina como a glicose desencadeiam a via mTor, uma das vias responsáveis pelo anabolismo. Aliás, o álcool também tem uma ação hipoglicemiante, baixando os níveis de açúcar no sangue e comprometendo a sensibilidade à insulina a nível celular.
É verdade que a dose consumida tem de ser elevada para que a síntese proteica seja fortemente reduzida. Estamos a falar de um efeito que depende da quantidade de álcool no organismo, como é óbvio. Mas o problema não acaba aqui.
Álcool e problemas hormonais após o treino
Quando acabas de treinar, uma das prioridades é parar o aumento do cortisol. Esta hormona é segregada em resposta ao stress e tem efeitos catabólicos, prejudicando assim a recuperação. Em vez disso, deves aumentar as concentrações de insulina, IGF-1, testosterona e hormona do crescimento. Todas elas estimulam a diferenciação das células satélites no tecido muscular, que são elementos estruturais fundamentais nos processos de remodelação, recuperação e hipertrofia.
Pois bem, o álcool tem outro efeito indesejável a este respeito. Aumenta o nível de cortisol, compromete a resposta das células à insulina, baixa a testosterona sérica e a hormona do crescimento. Entre outras coisas, o álcool afecta o funcionamento do hipotálamo, que é o principal dispositivo de sinalização para a síntese das hormonas sexuais. Se quiseres ver mais em pormenor consulta este artigo. Além disso, o estrogénio no sangue aumenta, o que não é muito positivo para os homens.
E isto não é a única coisa que é importante depois da atividade física. No final, a alteração do eixo endócrino provoca mudanças importantes a todos os níveis do organismo humano, o que afecta a saúde. É por isso que atualmente se recomenda que a dose ideal de álcool para te manteres funcional e reduzires o risco de doenças é zero.
Que quantidade de álcool pode ser consumida após o exercício sem afetar a adaptação?
Muitas pessoas não aceitam o facto de que a melhor coisa a fazer depois do exercício é não consumir álcool de todo (bem, e em qualquer outra altura do dia). Justifiquemos então a posição de um ponto de vista científico. É verdade que ainda não existem ensaios clínicos em humanos. Eles surgirão pouco a pouco. Não esqueçamos que, até há dois dias, o consumo moderado de vinho era recomendado para prevenir problemas cardiovasculares. Erroneamente, claro.
Bem, foi realizado um estudo em seres humanos para testar o quanto o etanol afectava a síntese de proteínas musculares (MPS). Neste caso, sem a variável exercício, após uma refeição. Verificou-se que beber água provocava um aumento de 50% na taxa de secreção de albumina pouco tempo depois de comer. Se beberes 350 ml de vinho, a resposta é de +20%. Quando a dose é aumentada para 750 ml de vinho, o parâmetro torna-se negativo. Podes ver em pormenor aqui.
É claro que, se fizermos uma pesquisa sobre os efeitos do consumo de álcool na recuperação após um esforço desportivo, encontramos muitas outras evidências que apontam na mesma direção. O mais importante é que, embora os ensaios de dose-resposta entre o efeito do consumo de etanol e a MPS ainda sejam escassos, os mecanismos fisiológicos do processo são completamente claros, o que é muito informativo.
Conclusão: Se treinares, não bebas álcool.
Bem, e mesmo que também não treines. Não sou eu que te digo isso, é a ciência que te diz isso. E faz bem à tua saúde. Mas consumir álcool depois do exercício também provoca uma clara redução dos benefícios do exercício. Terás perdido parte ou a totalidade do teu treino. É por isso que é melhor eliminares este veneno das nossas vidas o mais rapidamente possível. Existem muitas outras alternativas para socializar – e não precisas de beber para ser feliz. De facto, o consumo de álcool está associado a um maior risco de depressão e também a ti.